O Imperador voltou. O Imperador já vai. Viva o Imperador.
Existem vários pontos importantes nessa passagem do Adriano pelo Flamengo. Vou tentar costurá-los.
O primeiro refere-se à síndrome do julgamento. De forma geral, e com as exceções de praxe, parece que os jornalistas esportivos se sentem na obrigação de emitir sentenças morais sobre tudo e sobre todos – como se eles também não tivessem lá suas mazelas, como se fossem todos abstêmios convictos, como se jamais tivessem mirado com olhos gulosos a estagiária bonitinha que entrou na redação semana passada. Pura hipocrisia. Se a maioria da nossa imprensa esportiva adotasse a linha de respeito à privacidade dos jornais franceses, em vez de optar pelo caminho sensacionalista dos tablóides britânicos, todos sairiam ganhando. Clubes, torcedores, jogadores e o próprio jogo. Mas detectar focos de fracasso em pessoas bem-sucedidas sacia a turba e vende mais. Desculpem se o blog exagera nas citações de João Saldanha, mas aí vai outra delas. Sempre que começava um conhecido tipo de campanha contra esse ou aquele craque de personalidade mais inquieta, Saldanha avisava: “Cuidado, gente, jogadores de futebol têm mais ou menos a mesma idade dos nossos filhos e fazem mais ou menos as mesmas coisas que os nossos filhos.” Espero que nenhum de nós tenha filhos fazendo as bobagens do Adriano, mas o alerta do Saldanha é de uma lucidez invejável.
Segundo ponto: na Copa de 2002, o sério, responsável e evangélico Lúcio falhou feio no gol de Owen, tornando ainda mais difícil o que talvez tenha sido a partida mais encrencada da competição, contra a Inglaterra. Foi preciso o irreverente, sambista e baladeiro Ronaldinho Gaúcho salvar a pátria, com uma jogada genial no gol de empate do Rivaldo e uma surpreendente cobrança de falta pra virar o jogo. Não importa o que o cara faz fora de campo. Afirmar que Adriano está sem mobilidade porque não aparece para treinar é uma coisa; garantir que ele perdeu o pênalti contra o Botafogo porque brigou com a noiva é outra. Treinar faz parte da profissão, ok. Mas o que o cara faz quando não tem treino nem jogo, se gosta de funk ou de música clássica, se frequenta restaurante francês ou churrasco na laje, é problema dele.
Terceiro ponto: é óbvio que, ao dizer que Garrincha ganhou a copa de 62, Maradona a de 86 e Romário a de 94, estamos fazendo uma simplificação inadequada a um esporte coletivo, mas o que está por trás do raciocínio é correto: se Garrincha não estivesse naquela seleção, provavelmente não seríamos bicampeões – e o mesmo vale para Maradona e Romário. Assim, não é errado concluir que Adriano ganhou o Brasileirão de 2009. Teve o Pet batendo um bolão, Maldonado arrumando a casa lá atrás, Bruno pegando dois pênaltis do Ganso no crucial jogo contra o Santos, mas quem ganhou o campeonato foi Adriano. Dezessete anos depois do último título rubro-negro, e sem que o clube tivesse passado sequer perto disso durante todo esse período.
Quarto ponto: sou carioca e trabalho em São Caetano do Sul, cercado de corintianos, são-paulinos, palmeirenses e um santista. Pra mim não é difícil perceber como, por motivos plenamente justificáveis, o torcedor paulista passou a menosprezar o futebol do Rio. É compreensível. Até o final do século passado, Rio e São Paulo tinham exatamente o mesmo número de títulos do Brasileirão: onze pra cada lado. De 2002 a 2008, o desequilíbrio ficou evidente: enquanto os paulistas levantaram seis campeonatos brasileiros, os cariocas não conquistaram nenhunzinho sequer. O futebol carioca nunca esteve com a moral tão lá embaixo. Vários exemplos de conversas aqui no trabalho poderiam ilustrar isso, mas escolhi um do meu amigo Biza. Como todo bom são-paulino, ele não queria que o Corinthians ganhasse a Copa do Brasil no ano passado. Aí, Internacional e Flamengo se enfrentaram pelas quartas de final, para decidir quem poderia encarar o Corinthians mais à frente, e o Inter se classificou com um gol no fim do jogo, quando tudo levava a crer que o Flamengo passaria. Com toda a franqueza do mundo, no dia seguinte o Biza me confessou ter torcido muito pelo Inter, porque ele via no time gaúcho chances muito maiores de barrar a trajetória corintiana. Mas agora, nas oitavas de final da Libertadores, a coisa já estava diferente. Não apenas os são-paulinos se mostravam confiantes em torcer para o rubro-negro, como os próprios corintianos demonstravam respeito. O responsável por isso foi Adriano.
Quinto ponto: a temporada de Adriano pelo Flamengo em 2009 foi, em tudo e por tudo, bem diferente da temporada de Adriano pelo São Paulo em 2008. O tricolor não dependia dele pra nada, porque era um time em alta, ganhador da Libertadores em 2005 e dos Brasileirões de 2006 e 2007. Muito diferente, portanto, do que era o Flamengo quando o Imperador chegou. (E, infelizmente, o que parece que o Flamengo voltará a ser agora que ele vai embora.)
Sexto e último ponto: se pesarmos os prós e os contras, o que foi e o que poderia ter sido, creio que a torcida do Flamengo deve se sentir feliz com essa rápida passagem do Imperador pelo clube. O que ela tem que fazer é agradecer, desejar boa viagem e torcer para que ele volte logo.