terça-feira, 10 de agosto de 2010

O homem de referência. O cara que faz gol. O estorvo.
Às vésperas da decisão do Campeonato Brasileiro de 2000, entre Vasco e São Caetano, um repórter do jornal O Globo entrevistou Romário. Respondendo a uma das perguntas, o Baixinho elogiou o time adversário e citou três jogadores como destaques: o lateral César, o volante Claudecir e o meia Esquerdinha. O repórter provocou: e o Adhemar? Resposta curta e grossa: chuta forte, né? 
Adhemar era o centroavante do São Caetano, que chutava uma barbaridade mas não fazia nada além disso. Tinha marcado gols importantes na campanha, sempre com chutes violentos de fora da área e cobranças de falta de longa distância. Só que, na cabeça do Romário, era óbvio: se o cara não se mexe, não sabe matar uma bola, não tem colocação e malícia dentro da área, não pode ser difícil marcá-lo. Dito e feito. O primeiro jogo, no Palestra Itália, terminou um a um, e quem fez o gol do São Caetano foi César. Bem marcado por Odvan e Júnior Baiano, Adhemar não viu a cor da bola. O segundo jogo, no Maracanã, terminou três a um para o Vasco, e quem fez o gol do São Caetano foi Adãozinho. Adhemar não viu a cor da bola. 
Tostão costuma dizer que “gol, qualquer um faz”, e aí está o Washington que não deixa ninguém mentir. O que um bom centroavante precisa fazer é muito mais do que empurrar a bola pra dentro. Se a área estiver congestionada, tem que cair pra direita, cair pra esquerda, buscar jogo, tabelar, abrir espaço, jogar sem bola, inverter com o meia, preparar jogadas. Isso é um atacante. Era isso o que faziam os melhores centroavantes brasileiros que vi jogar: Careca, Reinaldo, Roberto Dinamite, Romário e Ronaldo Fenômeno. 
Recentemente, inventaram uma estupidez sem tamanho chamada “homem de referência”. Um cara grande e grosso que quase sempre mata na canela e atrapalha o andamento das jogadas do seu time. Um estorvo. Claro: a bola sobra, ele põe pra dentro, mas aí até eu que sou mais bobo. O que as pessoas não conseguem entender, e acho indesculpável que isso aconteça também com os treinadores, é como esse tipo de jogador prejudica um time. Pra ele aproveitar a chance de gol que aparece, dezenas de outras chances deixam de ser criadas, simplesmente porque ele não é mais do que um poste na entrada da área. Os outros dez têm que jogar por ele, jogar pra ele, e a gente ainda precisa ouvir dos comentaristas especializados que “a bola não está chegando”. 
O Brasil ganhou a Copa de 2002 com Ronaldo Fenômeno de centroavante. A de 94 com Romário. A de 70 com Tostão improvisado, já que nem centroavante ele era – mas como jogava! Não cheguei a ver Vavá (nosso centroavante nos dois primeiros títulos mundiais, em 58 e 62), mas imagino que soubesse jogar. Até porque, se não soubesse, com certeza Nilton Santos, Zito, Didi, Pelé e Garrincha não o aturariam. 
Enquanto a cultura dos “caras que fazem gols” predominar, seremos obrigados a conviver com André Lima, Rafael Moura, Ortigoza, Marcel, Val Baiano e tantos outros a maltratar a pobre da bola, que não tem culpa por eles terem escolhido a profissão errada.

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