Ritual de iniciação.
No Dia dos Pais do ano passado, meu amigo Magalha decidiu proporcionar a seu filho mais velho a inesquecível emoção da primeira ida a um jogo de futebol. O estádio era o Pacaembu, a partida era Corinthians e Flamengo, e o pequeno Gabriel certamente se interessou mais pelas guloseimas do que pelo que viu em campo: o Flamengo entrou com a lamentável camisa azul e amarela, e um time ainda mais pavoroso do que o uniforme; o Corinthians jogou pro gasto e ganhou por um a zero, gol do Elias. Se a intenção do Magalha era iniciar o pequeno Gabriel no universo corintiano, perfeito. Mas se a ideia era fazê-lo começar a apreciar um bom jogo de futebol, talvez não tenha sido daquela vez.
A primeira ida ao estádio é uma experiência que fica pro resto da vida. Um dos maiores amigos do meu pai, o De Mori, costumava emprestar para minha família as três cadeiras perpétuas que ele adquirira um pouco antes da construção do Maracanã. As cadeiras ficavam junto à Tribuna de Honra – o que me permitiu, entre outras coisas, assistir a um amistoso entre Cariocas e Paulistas a poucos metros da rainha Elizabeth II – e chegava-se até elas de elevador, saltando no sexto e último andar do percurso. Na primeira vez que fui, a visão das portas do elevador se abrindo lateralmente e descortinando o estádio lotado, repleto de bandeiras coloridas e com aquele magnífico retângulo verdinho lá embaixo, é uma lembrança tão forte que nem consigo dizer qual era o jogo. O que ficou na memória foi a força daquele choque estético. (Minha irmã mais velha, Vera, costuma dizer que, segundo meu pai, o jogo era um Fla-Flu, o Flamengo deu um banho e por causa disso eu virei rubro-negro, mas tenho minhas dúvidas. O primeiro jogo do qual me lembro foi um Fluminense e Vasco, vencido pelo Flu por três a zero, o que só tornaria ainda mais estranha minha opção pelo Flamengo.)
De um jeito ou de outro, sou um bom exemplo de que é bastante possível para um pai transmitir ao filho o gosto pelo futebol, mas não dá para impor o time do coração. O são-paulino Jaime, filho de pai palmeirense, é outro. Flávio Loureiro, primo de um dos mais assíduos comentaristas do blog, o Luiz Eduardo, conta que foi pela primeira vez ao estádio levado pelo pai português e torcedor da Portuguesa de Desportos. O jogo era Portuguesa e Corinthians, a Lusinha venceu e, mesmo com todas as circunstâncias contrárias, Flávio virou corintiano roxo.
O tom nostálgico do post de hoje, numa segunda-feira pós-rodada do Brasileirão, tem uma explicação catalã. Seria um imperdoável crime de lesa-bola tratar de qualquer assunto além da emocionante exibição do Barcelona no último sábado, no estádio de Wembley. Vejam bem: a emoção não ficou por conta do jogo; ela cabe exclusivamente ao que o Barça fez. Não foi apenas um show de bola, uma partida exuberante, uma atuação de gala. Foi muito mais. O jeito que o time do Barcelona joga, e jogou no sábado, deixa na gente a certeza de que há todo o sentido do mundo nessa estranha compulsão que nos faz acompanhar pela tevê até a transmissão de Arapiraca x Botucatu, que nos faz brigar com mulheres e namoradas, que nos faz conversar horas seguidas sobre o pênalti que não houve e o juiz deu, sobre o impedimento claro que o sem-vergonha do bandeirinha deixou de marcar. Aquilo ali é futebol em seu estado mais puro, é tudo que um time de futebol gostaria de ser e deveria perseguir.
Tentando arredondar o texto: a primeira ida ao estádio é absolutamente inesquecível, mas se algum pai estiver interessado em fazer o filho gostar de futebol, nem precisa. Peça a ele noventa minutos sem playstation e mostre o que o Barcelona fez no último sábado.
Se não der certo, pode desistir. É sinal que o moleque não nasceu pra isso.