O artilheiro Rogério, o filósofo Gasset e nosso intelectual maior, Luxemburgo.
Dirigia na estrada, voltando de um grande final de semana no Rio, quando a mensagem bateu no meu celular com a agressividade de uma casca de banana no gramado do Emirates Stadium: “Saia da frente da tevê.” Eram quatro e pouco da tarde, e Corinthians x São Paulo acabara de começar.
Logo depois parei para almoçar e aproveitei pra responder. Expliquei que estava na estrada, não conseguiria ver nenhuma das partidas das quatro horas e, no máximo, pegaria alguma coisa de Fluminense e Vasco, às seis e meia. Mas é óbvio que, diante de tamanho frenesi, não deu para ignorar a história do gol número cem.
Rogério Ceni é excelente cobrador de faltas – melhor até do que de pênaltis –, ninguém bate na bola daquele jeito se não treinar exaustivamente, e por isso ele merece mesmo todas as homenagens, ainda mais porque bater faltas e fazer gols não faz parte do que os pernósticos publicitários chamam de “job description” de um goleiro. Agora, sem querer ser chato: foi um pouco demais, não? Porque aí, além de fazer o centésimo gol, o cara vira o marido exemplar, o pai extremoso, o filho que toda mãe gostaria de ter, o exemplo de vida, o maior goleiro da história de todos os esportes, incluindo aí os de handebol e hóquei sobre gelo.
Uma das coisas que aprendi com os grandes amigos são-paulinos que fiz nos últimos seis anos foi essa: futebol é título. E como apenas um clube pode ser campeão paulista de 2011, creio que uma dessas duas comemorações vai soar meio desafinada quando o paulistinha acabar: ou o incompreensível fricote de Tite com o terceiro gol do Corinthians naquela vitória sobre o Mirassol, ou a apoteose do último domingo com a história do gol número cem.
Eu sou eu e as minhas circunstâncias. Essa frase foi criada pelo filósofo espanhol José Ortega y Gasset, repetida em vários momentos da história política brasileira por Ulysses Guimarães e totalmente desconsiderada por Vanderlei Luxemburgo.
Se até eu às vezes me canso das repetidas críticas do blog a técnicos e comentaristas, posso imaginar o que sentem os abnegados seguidores. Por isso não pretendo alimentar por mais tempo o assunto Adriano, mas é impressionante a desfaçatez do arrogante e cínico professor.
A arrogância está em achar que seus esquemas táticos superam a qualidade individual de quem os executa. E o cinismo é tão grande que, depois da torcida rubro-negra pedir em coro o nome de Adriano quando o time perdia para o poderoso Madureira por tês a um, Luxemburgo teve a cara de pau de afirmar que olhou pra trás do banco de reservas e viu meia dúzia de pessoas reclamando. Pessoas essas que, ainda segundo ele, certamente receberam um dinheirinho para se manifestar. Idiota.
Já torci uma vez especificamente contra Vanderlei Luxemburgo, apesar de, naquele momento, isso representar torcer também contra mim. Foi na derrota para Camarões nos Jogos Olímpicos de 2000, em Sydney. Naquela época o cara tinha tantos reis na barriga que era insuportável a hipótese de vê-lo ganhar qualquer coisa. Agora me sinto, mais uma vez, inclinado a torcer contra.
Reconheço que há centenas de riscos e de motivos para um treinador não querer Adriano no elenco. Mas Vanderlei não poderia ter ignorado as circunstâncias, e elas são muitas.
Primeira: o que Adriano queria, de verdade, era jogar no Flamengo. Segunda: em tempos de futebol milionário, Adriano não custaria um centavo além do salário mensal. Pechincha. Terceira: por estar absolutamente em baixa no mercado, Adriano provavelmente toparia ganhar menos do que muito cabeça-de-bagre que anda por aí, vários deles habitando, inclusive, a folha de pagamento da Gávea. Quarta: há menos de dois anos Adriano foi fundamental para o Flamengo voltar a conquistar um título que não ganhava há quase duas décadas. E mais: foi o artilheiro da competição, e ninguém consegue ser artilheiro do Campeonato Brasileiro se não tiver um número bastante bom de jogos disputados. Portanto, a história de que Adriano não joga é balela. Por fim, o que considero a principal de todas as circunstâncias: o Flamengo não tem nenhum atacante com capacidade sequer para amarrar as chuteiras do Imperador.
Portanto, a partir de hoje está decretado: Vanderlei Luxemburgo está para o blog do mesmo jeito que Muricy está para o Jaime. A não ser que ele consiga transformar o time numa máquina de jogar bola – o que, pra mim, não existe a menor possibilidade de acontecer.